Pororoca do Tamanho Delas



Com repertório de espetáculos para crianças de zero a seis anos, a 2 Mililitros Cia Teatral já encenou Cadê?, Os Céus e suas Histórias e Pororoca, sua primeira encenação que utiliza palavras, além da linguagem corporal, sons e luzes. Com temática e abordagem poética proporcionais ao tamanho das crianças, a companhia aborda o fenômeno da natureza pororoca com reconfigurações que passa um núcleo familiar com a chegada de uma criança mais nova, e traz como personagem um caramujo de nome Aruá. Para tanto, Júlia Mariano e Thiane Lavrador se utilizam da linguagem da contação de histórias, ou “dançação de histórias”, e utilizam de estruturas metálicas como brinquedos de inventar movimentos, ocupando de modo composicional e harmônico o espaço, que vai se reequilibrando com seus corpos e figuras formadas ao longo da narrativa. O cenário foi concebido por Lorenza Gioppo, tendo como cenotécnica Katiana Aleixo. A cada instante as formas de ser e estar em cena são transformadas, com a história do local e das personagens que ali aparecem, bem como das atrizes, que, em um determinado momento, constatam que o figurino que caracteriza Aruá, um casaco azul bordado, passa a servir apenas em uma delas, pois a outra representará a reprodução do molusco com a gestação do novo ser. Os figurinos foram desenhados por Luana U. e as costureiras foram Amanda Pilla B., Samantha Macedo e Florisbela Ribeiro dos Santos.

A preparação e técnicas de palhaço realizada por Luciana Viacava se apresenta nas movimentações e no jogo de cena, o que proporciona um ambiente lúdico e improvisacional ao olhar curioso das crianças pequenas, que vão acompanhando avidamente as transformações de formas, planos, ritmos e sons produzidos nos deslocamentos das atrizes. Também compõem a construção do ambiente cênico a manipulação de materiais sonoros como o chocalho de elementos naturais, aguçando a sensibilidade e percepção sonora e visual do público. E a trilha sonora original de Gui Leal & Kumkani Studio, operada por Igor Hammerle e Lucas F. Paiva, conectam a expressão a uma camada dramatúrgica sonora, fundamental ao desenvolvimento da narrativa.

Aruá é um caramujo que vive no rio Amazonas, e que vivencia as transformações causadas pela pororoca. O fundo do rio se modifica e ele perde sua concha. Ele irá reencontrá-la, mas já está sendo utilizada por outro molusco. A dramaturgia de Elenice Zerneri propõe a relação de alteridade, que também se encontra com a encenação pela direção de Victoria Ariante. A iluminação de Ariel Rodrigues acompanha e contorna essas movimentações e transformações, contribuindo para o acolhimento tão necessário a esse tipo de proposição, que terá o momento de participação interativa do público dentro do espaço cênico propriamente dito. Ali, poderão brincar de imaginar a história e o fazer teatral, bem como o ato de estar junto em diferentes momentos da vida, além da metáfora do momento presente. Por isso é tão importante como esse acolhimento se dá desde a chegada no edifício teatral. 

A pororoca é um fenômeno natural caracterizado por grandes e violentas ondas que são formadas a partir do encontro das águas do mar com as águas do rio. Ela se torna mais evidente nas mudanças de fase da lua, especialmente na lua cheia e nova. O processo ocorre quando os níveis das águas oceânicas se elevam e essas invadem a foz do rio. O confronto dessas águas promove o surgimento de grandes ondas que podem atingir metros de largura e altura e chegar a uma velocidade que oscila entre 30 e 35 quilômetros por hora. A palavra deriva do Tupi e significa “estrondo”, em referência ao som produzido pelas ondas, e o fenômeno ocorre na foz do rio Amazonas, quando as águas do oceano Atlântico encontram a força da correnteza do rio Amazonas, no estado do Amapá, no Brasil, criando um espetáculo natural impressionante. O fenômeno também pode ser observado em alguns afluentes do rio Amazonas, onde as águas do mar encontram a correnteza fluvial. A pororoca é um fenômeno natural que faz parte da cultura e da identidade da região amazônica, sendo celebrada e admirada por moradores e visitantes. No Brasil esse fenômeno também ocorre no rio Mearim, Estado do Maranhão. Além da beleza, a pororoca provoca destruição nas margens dos rios, retirando muitas árvores. 

Na peça, a beleza das transformações traz essa analogia da pororoca com a vida humana, na qual o encontro entre diferentes humanos traz diferentes percepções, sensações, trocas, conflitos e descobertas, reorganizações necessárias em face da impossibilidade de as coisas se manterem sempre do mesmo modo, ou seja, há uma manifestação da impermanência como possibilidade de um estado de ser improvisacional e vivo.

Aruá também é o nome de uma espécie de caramujo cujo nome científico é Pomacea canaliculata), conhecido popularmente como ampulária, arauaná, aruá-do-banhado, aruá-do-brejo, caramujo-do-banhado, fuá ou uruá. Trata-se de espécie de grandes caramujos com brânquias e opérculo, uma estrutura que fecha a abertura da concha. O nome provém do termo tupi uruguá. A concha dos aruás é globular, com cores variando entre marrom, preto e amarelo-acastanhado ou dourado. Esses moluscos se alimentam de matéria vegetal, como plantas flutuantes ou submersas), além de matéria animal. Sua reprodução nas áreas tropicais é contínua. As fêmeas adultas depositam seus ovos nas vegetações que emergentes durante a noite, mas também podem postar em rochas ou até mesmo barcos. Esses ovos levam cerca de duas semanas para eclodir e neste período perde suas cores brilhantes. São encontrados em países como Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Brasil. 

No palco de Pororoca, Aruá nos convida ao ato de brincar, jogar, improvisar e se reinventar, em um encontro inesperado, no qual encontramos a beleza do próprio ato de encontrar. Como citado pela diretora da peça, a “alegria da mudança” pode nos encontrar a cada momento de nossas vidas, nos quais pudemos abrir o olhar mais amplo, mais adiante. Um olhar que permita reconexões outras, imaginadas, queridas, inimagináveis, surpreendentes, maravilhosas…Do tamanho das crianças, de sua curiosidade e dos futuros que carregam.

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