Des-montagem: Processos da Ato Reverso


Crítica do espetáculo Ressoar: Memórias e canções da Ato Reverso, da Cia Ato Reverso, SP, por Simone Carleto Fontes


Ressoar: Memórias e canções da Ato Reverso, traz a proposta de coralidade, a pesquisa sobre a barbárie, e o universo feminino. Soar de novo, de modo a olhar para trás como a figura de Sankofa, e revisitar a trajetória, compõe o experimento de unir em números musicais encenados as histórias das peças da Trilogia da Barbárie: “Maria Inês ou O que você mata pra sobreviver?”, “Abigail Williams ou de onde surge o ódio?” e “Helena ou De quem são as mãos que fazem a guerra?”, além de “Passados: Mulheres em busca de árvores” e “De tudo aquilo que fizemos juntas”, partes da pesquisa de mestrado de Nathália Bonilha. Costurando memórias, canções e textos dos espetáculos desmontam seus trabalhos, experimentando recursos de narração, canto, representação e interpretação.


Mote para a criação do grupo e seu primeiro trabalho, “Maria Inês ou O que você mata pra sobreviver?” surge da canção Maria Inês, de André Abujamra, cujo refrão “Matô, matô, matô pra se salvar” percorre a trágica história da personagem, extrato da vida da mulher violentada em suas inúmeras condições sociais. São buscadas as nuances para demonstrar as facetas das situações, e a coralidade pode enfatizar suas dissonâncias, suas contradições. A direção musical de Vinícius Motta, com preparação vocal de Isadora Titto, agregam à direção geral assinada por Nathália Bonilha camadas de sentido e percepção da obra e das histórias que aborda. O elenco, formado por Bárbara Lins, Jamile Rai, Nathália Bonilha, Renato Mendes e Theodora Ribeiro, constrói a cenografia em cena, a partir de adereços, praticáveis e figurinos. Também compõem essa coralidade cênica os músicos Luiz Felipe Xavier e Vinícius Motta, cujo brilho das execuções musicais enfatiza e dramatiza a encenação. A criação de luz é de Renato Mendes. A organização dramatúrgica, também de Nathália Bonilha, inclui a pesquisa mencionada e a busca de sua ancestralidade, na qual a presença de sua avó se intercalou às projeções da história de Nathália e das mulheres de sua família.



Finalizando a revisitação do repertório, vem a história de Helena de Tróia, segundo a companhia pela primeira vez por ela mesma, com certo tratamento digital da cena, ao aproximar a Guerra de Tróia do universo gamer. Assim como no mito grego, a narrativa do espetáculo parte da disputa entre as deusas Afrodite, Atena e Hera. Porém, nesta montagem, as personagens são apresentadas como gamers influencers, que interagem no espetáculo por meio da projeção, como se estivessem realizando um streaming do jogo que disputam. Neste sentido, tudo o que acontece em cena (no plano terreno), é um desdobramento da tela do game das deusas.



Na cena final do experimento, fica mais evidenciada as contradições dos diversos feminismos defendidos pelas deusas. Que os caminhos sejam auspiciosos e a interseccionalidade seja exaltada na saga reversa, trazendo justiça e unidade às bruxas de todo o mundo, como profetizam as Bruxas de Salém da Cia Ato Reverso.




Simone Carleto Fontes é atriz, diretora e artista-pedagoga de teatro. Mestre, doutora e pós-doutora em Artes Cênicas pelo Instituto de Artes da Unesp, em São Paulo. Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Artes da Unesp - SP. Professora Formadora e Conteudista do curso de Licenciatura em Teatro a Distância da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Jurada de Teatro da APCA - Associação Paulista de Críticos de Artes.




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